quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Cíclica

FOTO MARISA TAVARES

Meus ciclos comportam erupções de sensações intensas nascidas em várias partes de mim. E sem congruência aparente, passo no mundo em formas tantas, em caminhos sinuosos onde experimento do bom do mel e do melhor num instante para, no seguinte, deglutir o fel amargo da traição.
Assim, transmuto constantemente indo de um extremo ao outro, ganhando ou perdendo...
Por onde passo vou deixando minhas marcas, meus sinais pessoais e um pouco de mim.
Posso estar mansa, serena, receptiva aos apelos do querer, da paixão e do amor, sempre que as portas de minh’alma se abrem e minha percepção emerge, plena e absoluta. Mas, logo ali, um passo só adiante, posso ser fera que aniquila impiedosa. Basta um “quê” para isso e eu enfrento o mundo resguardando minha real essência e destilando todo o rancor que dores e perdas me proporcionaram.
Sim, sou cíclica, de uma natureza mutante, de uma capacidade inacreditável de recomeçar...
Carrego ruínas de sonhos melífluos que plantei em lugares errados. Semeei em mentes turvas e em corações vazios... E, ainda assim, penso que haverá um dia, um lugar de fato, onde poderei compartilhar com outros que também vivam seus sentimentos intensamente, em plenitude. Que tenham, assim como tenho, passos ora firmes, decididos; ora errantes e trôpegos. Que se aninhem em braços alheios, sem que para isso sejam enfiados em gaiolas... Porque sou pássaro liberto e dona de mim!
Até então, tenho encontrado em meu caminho figuras instigantes e mesmo estranhas... São composições inúteis, que não ousam sequer desvendar uns poucos mistérios dessa vida.
E, então, nem dão o primeiro passo, ou ficam pelo meio do caminho. Talvez por isso, vezes tantas apesar de triste, eu ainda prefira andar só...
Não mais lamento pelas vezes tantas em que me viraram as costas, esses tolos que pensaram serem importantes eternamente. A importância um dia acabou e em seu lugar deixou apenas o vazio: o inerte estado de não ser mais nada!
Por outro lado, perdidas num passado distante, repousam lembranças de outros raros que um dia, por circunstâncias inesperadas e inexplicáveis acabaram partindo para longe. Mas consigo levaram um pouco do melhor de mim. E os pensamentos compartilhados em momentos de indiscutível verdade, permanecerão preservados para sempre e poderão sempre vir à tona da minha real compreensão.
Jamais esquecerei aqueles que um dia ousaram decifrar os enigmas da essência que emana de uma mulher ainda que por um instante, ainda que em um ciclo apenas.
Para se atrever a ter o mundo nas mãos e depois ter de abrir mão dele é preciso muita coragem...

Sendo assim, e compreendo que tudo tem seu sentido de ser (quando parece não ter, podemos criar), descubro que, por mais que eu olhe ao redor e não veja nada, não veja ninguém, quando olho para dentro, para meu íntimo se metamorfoseando mais uma vez, vejo que a vida está me ensinando outra vez e que quanto mais eu sei mais eu quero saber...
Cíclica sim, e insaciável na arte de viver!


Malu Sant'Anna

Alados

FOTO JOSÉ FERREIRA
Sou uma amante incondicional
da liberdade
da minha, da tua
da de todos nós.

Nasci liberta, tão solta
e poucas vezes me deixei cativar...


Percorri caminhos fantásticos
provei corpos
invadi mentes
permeei almas
em momentos raros, efêmeros
que jamais se repetirão.


Porque eu provei do mel...
Sonhei a dois, a três, a mais
e também provei do sal
em perdas e tristezas
que chegaram a mutilar.


Fui brindada com o amor
e tive de engolir o ódio.


Fui presa e predadora,
vítima e algoz,
dúbia e alada.


Aprendi, ah, quanto aprendi
e compreendo hoje e todo dia
da vida, da grandeza divina
que se faz como uma nova chance
a cada novo dia que amanhece...


Hoje, quando penso se valeu a pena
mesmo depois de ter tido e perdido
descubro que querer para mim é inevitável
já que estou viva
e preciso compartilhar
sentimentos e sensações.


Porque, por mais que eu queira voar
e às vezes prefira estar só
tem outras que preciso estar em bando
ou em par
tanto para ter amparo e direção
quanto para amparar e conduzir.

Malu Sant'Anna

Vitrina

FOTO JOSÉ LOPES

São tantos os olhos que me buscam, alguns fraternos, outros hostis, que aproveitam a transparência reticente da minha retina para esmiuçar meu íntimo avesso.
Então fujo – fecho os olhos - e procuro limpar a mente, colocar tudo em ordem...
Mas, lá estão os espectadores com suas perguntas suspensas no ar que eu não sei responder (não parei para pensar...) E, às vezes, até parece que sabem muito mais de mim do que eu mesma poderia saber.
Já devem ter descoberto de meus medos de minhas loucuras, minhas vontades, minhas angústias, meus mistérios, enfim. Porque as paredes que guardam meu avesso são frágeis e cristalinas como o vidro e permitem que eu fique exposta à apreciação daqueles que, em um único segundo, conseguem mergulhar e trazer à superfície sentimentos meus, contidos, reprimidos. Entretanto, ainda que me sinta exposta, de peito aberto, alma liberta, como é meu jeito de ser, revelo apenas aos mais íntimos que sou na verdade um turbilhão de emoções de uma simplicidade que até complica...

Malu Sant'Anna