terça-feira, 21 de outubro de 2008

Pedra maldita

FOTO ROGER MEIRELLES
A única forma possível de se estar a salvo do crack por dentro, é jamais experimentá-lo.
Por fora, desconheço...
“Perdi um filho por causa da pedra. Estou limpa há três meses, desde a perda. O crack destrói a vida da gente e tudo ao redor. Perdemos a auto-estima, o amor próprio, perdemos tudo, tudo mesmo. Fiz meu pai perder seu crédito e roubei minha mãe (R$300,00), sem me importar com o fato de que ela estava morrendo de câncer...”
Esse relato contundente é verídico. “G” é uma mulher jovem, no máximo 25 anos, grávida de três meses, que confessa ainda sentir vontade de consumir a pedra maldita diariamente. Está há três meses sem usar, mas sabe que terá de lutar contra essa “vontade” por toda a sua vida.
A epidemia do crack, ainda que muitas autoridades relutem em aceitar, é disseminada não só nas camadas mais pobres da sociedade. Famílias inteiras padecem. Crianças, jovens, adultos, idosos, ninguém está completamente a salvo. A única maneira de se evitar, em nossas vidas, os estragos dessa droga poderosa, degradante, altamente viciante, é jamais experimenta-la. Ainda assim, não estaremos a salvo do convívio com pessoas absurdamente alteradas por conta dos efeitos nocivos do crack.

O que acontece?
São necessários apenas 10 segundos para que o usuário sinta os efeitos que se iniciam por euforia e excitação, seguidas por respiração e batimentos cardíacos acelerados, depressão, delírio e uma vontade quase sempre incontrolável por se consumir novas doses.
O crack é uma forma não salgada da cocaína, isolada numa solução de água, depois de um tratamento de sal dissolvido em água com bicarbonato de sódio, sendo de cinco a sete vezes mais potente e destruidor que a cocaína. Além dos componentes da pasta, a droga contém muitas impurezas.
Possui um poder avassalador para desestruturar a personalidade, agindo em prazo muito curto e criando enorme dependência psicológica. Assim como a cocaína, não causa dependência física, o corpo não sinaliza a carência da droga.
As primeiras sensações são de euforia, brilho e bem-estar, descritas como o estalo, um relâmpago, o "tuim", na linguagem dos usuários. Na segunda vez, elas já não aparecem. Logo os neurônios são lesados e o coração entra em descompasso (de 180 a 240 batimentos por minuto). Há risco de hemorragia cerebral, fissura, alucinações, delírios, convulsão, infarto agudo e morte.O pulmão se fragmenta. Problemas respiratórios como congestão nasal, tosse insistente e expectoração de mucos negros indicam os danos sofridos. Dores de cabeça, tonturas e desmaios, tremores, magreza, transpiração, palidez e nervosismo atormentam o craqueiro. Outros sinais importantes são euforia, desinibição, agitação psicomotora, taquicardia, dilatação das pupilas, aumento de pressão arterial e transpiração intensa. São comuns queimaduras nos lábios, na língua e no rosto pela proximidade da chama do isqueiro no cachimbo, no qual a pedra é fumada.O crack induz a abortos e nascimentos prematuros. Os bebês sobreviventes apresentam cérebro menor e choram de dor quando tocados ou expostos à luz. Demoram mais para falar, andar e ir ao banheiro sozinhos e têm imensa dificuldade de aprendizado.
O caminho da droga no organismo do cachimbo ao cérebro
1. O crack é queimado e sua fumaça aspirada passa pelos alvéolos pulmonares
2. Via alvéolos o crack cai na circulação e atinge o cérebro
3. No sistema nervoso central, a droga age diretamente sobre os neurônios. O crack bloqueia a recaptura do neurotransmissor dopamina, mantendo a substância química por mais tempo nos espaços sinápticos. Com isso as atividades motoras e sensoriais são superestimuladas. A droga aumenta a pressão arterial e a freqüência cardíaca. Há risco de convulsão, infarto e derrame cerebral.
4.O crack é distribuído pelo organismo por meio da circulação sanguínea
5. No fígado, ele é metabolizado
6. A droga é eliminada pela urina

Ação no sistema nervoso
Em uma pessoa normal, os impulsos nervosos são convertidos em neurotransmissores, como a dopamina e liberados nos espaços sinápticos. Uma vez passada a informação, a substância é recapturada. Nos usuários de crack, esse mecanismo encontra-se alterado. A droga subverte o mecanismo natural de recaptação da substância nas fendas sinápticas. Bloqueado esse processo, ocorre uma concentração anormal de dopamina na fenda, superestimulando os receptores musculares - daí a sensação de euforia e poder provocada pela droga. A alegria, entretanto, dura pouco. Os receptores ajustam-se às necessidades do sistema nervoso. Ao perceber que existem demasiados receptores na sinapse, eles são reduzidos. Com isso as sinapses tornam-se lentas, comprometendo as atividades cerebrais e corporais.
O crack nasceu nos guetos pobres das metrópoles, levando crianças de rua ao vício fácil e a morte rápida. Agora chega à classe média, aumentando seu rastro de destruição. Muitos usuários iniciam o consumo de crack fumando o "pitico", cigarro de maconha misturada com a pedra.

Fonte: Anjos Caídos, Içami Tiba. Editora Gente, 6ª ediçãoFonte: Globo Ciência/1996 Ano 5 nº 58
Malu Sant'Anna

A boca

Adoro experimentar novos sabores...
Estou sempre entre os extremos do sagrado e do profano, permeada por uma sede infinita de auto-conhecimento. Até já testei alguns limites, mas isso sempre é risco: o risco de gostar e querer ir até o fim; o risco de detestar e ficar me culpando por gerações...
Um gosto novo é sempre um grande desafio: pode surpreender ou não...
Da boca sei que saem flechas embebidas em arsênico, certeiras e fatais. Por conta disso, há tempo deixei de experimentar meu poder de destruição através da palavra. É uma curiosidade que não tenho mais. Da mesma forma, com candura e leveza, da boca saem flores silvestres que podem resgatar alguém à beira da morte em vida...
Pela boca entram os sabores mais atrevidos: o doce gelado e cremoso do sorvete e o café quente e amargo, ambos feitos por mim; o alimento diário; a cerveja deliciosamente tomada na lata (bem lavadinha), que desce acariciando as paredes da garganta e o whisky que arranha e liberta, despertando totalmente a libido; a saliva e o sêmem amados que tanto fascínio me causam...
Pela boca sai e entra um pouco de tudo. Tem horas que é bom fechar... Em outras, impossível não abrir...
A boca é uma porta. Do corpo, a minha predileta.

Malu Sant'Anna

Limo


O limo cresce
na umidade do meu pranto
porque eu cismo
chorar sempre
no mesmo canto

Malu Sant'Anna

Quase Obscena

Provoca em mim
o gozo pleno
da minha saliva na tua
do teu corpo no meu.

Evoca no íntimo
de minhas entranhas
a plenitude e o furor
despida de pudores
essa minha alma nua

E eu te cavalgo
galopo em teu colo
sussurro um gemido
que te diz tudo.

Te provoco arrepios
e tu em mim
derramas a vida
num brinde ao amor.

Malu Sant’Anna

Autobiografia

Nasci loirinha,
tão pequena
caçula de três.

Depois mais crescidinha,
fiquei morena...
Com 13, perdi meu pai
quanta dor...

Também com 13 virei mocinha
e, mulher, aos dezesseis.

Com 19, casei errado,
morri um pouco
a cada dia
mas renasci com vinte e seis
quando Francisco
eu dei à Luz.

Com 30, conheci o amor,
com 38, o consagrei.

Estou com 40 e hoje
vejo que é tão pouco
é pouco ainda
tudo o que eu sei...

Malu Sant’Anna